SUS deverá realizar transplante de medula óssea para doença falciforme
10-11-2014 18:13

Em dezembro, o Ministério da Saúde deve publicar uma portaria que vai incluir a doença falciforme no rol de terapias passíveis de transplantes realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Foi o que revelou o coordenador geral do Sistema Nacional de Transplantes, Heder Murari Borba, durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) realizada nesta segunda-feira (10) para debater o tema.

Segundo explicou, nem todos os portadores da anemia falciforme recebem a indicação para o transplante de medula óssea, apenas os casos mais graves, como quem tem lesão cerebral ou risco de ter devido à doença, ou quem sofra com constantes crises de priapismo (ereções prolongadas e dolorosas), por exemplo. Estima-se que 60 a 80 casos por ano poderão ser atendidos.

- Elas terão a alternativa terapêutica do transplante alogênico aparentado, vai se fazer uma pesquisa na família para ver a compatibilidade genética que precisa ser muito próxima, e essas pessoas vão ser encaminhadas para o serviço de transplante. A gente sabe que no caso da doença falciforme é curativo, não é uma terapêutica paliativa, ele cura – declarou em entrevista após a reunião.

Como o transplante é entre os familiares compatíveis, explicou Heder Borba, não deve haver filas de espera e já em 2015, quem recebe a indicação poderá ser transplantado, após realizar os exames necessários. Entretanto, lembra o coordenador do SNT, apesar de ser curativo, o transplante não é isento de riscos, já que a pessoa é submetida a uma queda de imunidade muito grande e passa a tomar imunossupressores para evitar a rejeição pelo resto da vida, abrindo portas para outras complicações.

- Por isso, há muito cuidado para se indicar o transplante, porque a pessoa pode viver com a doença falciforme, com o tratamento de suporte, durante muitos anos – ponderou.

No dia 4 de dezembro está marcada a reunião em que a Comissão de Incorporação de Tecnologia (Conitec), do Ministério da Saúde, avaliará a inclusão. De acordo com Borba, ao longo de três anos de discussão, já existe amplo consenso sobre os reais benefícios do procedimento e não deve haver dificuldades para a aprovação.

Somente em 2013, foram realizados 2.300 transplantes de medula óssea no país. Somados todos os tipos, foram 23 mil. A sobrevida geral dos transplantados “é fantástica, de mais de 90%”, conforme declarou Borba.

Um dos beneficiados com o transplante foi Elvis Magalhães, integrante da plateia a quem foi dada a palavra durante a reunião. Segundo afirmou, durante 38 anos foi paciente do Hospital Universitário de Brasília (HUB), até conseguir realizar o transplante. Ele e mais 37 pacientes.

- Em 2005, fui livrado desse peso, e a partir daí mais nenhuma internação, crise de priapismo, úlcera, ou crise de dor que precise de morfina para passar – disse.

Quem tem doença falciforme, apesar de lutar pela vida todos os dias e de ouvir que não viverá muito, não poderá ter filhos ou ter um emprego, pode sim ser um cidadão digno, se esforçar, estudar e ser curado da doença falciforme, avaliou Magalhães.

Racismo

Para Maria Zenó Soares, presidente da Federação Nacional das Associações de Pessoas com Doença Falciforme (Fenafal), apesar dos avanços dos últimos anos, os portadores de doença ainda sofrem com a ignorância da maioria da população sobre o mal e com a falta de políticas públicas integradas. A situação piora com o recorte étnico/racial, já que a maioria dos doentes é negra.

- Quando você chega a um hospital reclamando das dores e ouve que “negro é forte e aguenta bem a dor” é racismo. E isso precisa mudar – disse, em entrevista após a reunião.

Conforme relatou, há desconhecimento sobre as dores excruciantes que os doentes sofrem em crise, que não são resolvidos com medicamentos leves como dipirona, e eles são acusados de ser “viciados em morfina” nos serviços de saúde. Falta atendimento humanizado, reclamou, já que pacientes chegam a esperar seis horas para ver um médico, sofrendo com as dores e são obrigados a ouvir ironias como “se a dor fosse tão forte, não teria conseguido vir de ônibus”. Ela também lamentou que o governo deixe faltar o medicamento essencial no tratamento, a hidroxiureia. Desde outubro, não há o remédio na rede pública.

Da mesma forma, não há um olhar diferenciado nas escolas, seja para conseguir identificar crianças portadoras da enfermidade por situações como a estafa, um dos sintomas da doença falciforme, ou por não haver condescendência nas avaliações e reposições de aulas dos alunos que perderam exames em decorrência das internações, levando à evasão escolar.

Outra mudança a ser feita é o reconhecimento da anemia falciforme como causa de invalidez, diz. Por causa das internações prolongadas, os portadores da doença sofrem com as demissões constantes, e não têm acesso ao benefício da prestação continuada nem ao auxílio doença. Maria Zenó também trouxe a vivência dos atendimentos que acompanha em Belo Horizonte (MG). Dos 6.500 portadores identificados, 5.655 recebem algum tipo de atendimento. Deste total, 5.541 recebem o Bolsa Família, 5.372 são negros e pardos e 282 são brancos.

Em 2014, a Fenafal já contabilizou 133 mortes de crianças e jovens no país, como a única filha de Cláudia Lima, moradora de Brasília que estava na plateia, e morreu aos 24 anos de um AVC fulminante, contou em um relato emocionado.

Políticas Públicas

Também participou da audiência Ana Margareth Alves, da Coordenação Geral de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde, que relatou os avanços em prol das pessoas com doença falciforme, como a pesquisa para a produção pediátrica da hidroxiureia, em curso no Centro de Pesquisa da Aeronáutica, que beneficiará crianças a partir dos três anos. Ela também lamentou não haver dados sistematizados do país inteiro sobre a doença e mais pesquisas que refletem a realidade nacional, miscigenada.

Já Macaé Evaristo, Secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação, informou sobre o curso de 90 horas/aula que será ministrado, a partir de 2015, especialmente aos professores dos estados brasileiros onde há mais prevalência de doença falciforme: Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Maranhão e Pernambuco. Com o ensino de cultura e história afro-brasileira, a ideia é prepara-los para identificar a doença e trabalhar para a desconstrução de preconceitos e ideias preconcebidas, como a ideia de que pessoas com anemia falciforme precisariam de suplementação de ferro, quando na verdade sofrem com o excesso do mineral no sangue.

O curso online será ministrado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em associação com a Faculdade de Educação. A prevalência do Brasil é de 1 para cada 1000 nascidos vivos, sendo a Bahia o estado com mais casos, 1 para cada 650 nascidos vivos. Em Minas e Pernambuco, são 1 a cada 1400. Para comparação, no Rio Grande do Sul 1 a cada 10 mil nascidos vivos tem a doença.

Responsabilidade

Para o senador Paulo Paim (PT-RS), que requereu a realização da audiência e presidiu a reunião, o "debate aumentou a responsabilidade de todos os envolvidos com políticas públicas para atender negros e brancos que sejam, de uma forma ou de outra, atingidos pela anemia falciforme".

Ao ressaltar a importância da portaria que está sendo lançada pelo Ministério da Saúde, para regulamentar o atendimento às pessoas com anemia falciforme, Paim propôs que a CDH convide o Ministro da Saúde para explicar como essa regulamentação vai ser feita.


Elina Rodrigues Pozzebom
Agência Senado
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