Internacional

Lula é a melhor opção para negociar acordo com Farc, diz ex-refém Clara Rojas
10-07-2008 12:09

Bogotá (Colômbia) - Depois de passar seis anos no meio da selva, comendo pouco mais que arroz e mandioca, fazendo caminhadas intermináveis, sendo atormentada por bombardeios e passando por um parto complicadíssimo, Clara Rojas só quer saber de olhar para a frente, de cuidar do filho Emmanuel, nascido em 2004, de se preocuar com o meio ambiente e com os reféns que permanecem em poder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Se possível com ajuda do Brasil.

A ex-deputada Clara Rojas, 43 anos, foi seqüestrada no início de 2002. Ela era coordenadora da campanha de Ingrid Betancourt, então candidata à Presidência da Colômbria, quando o governo suspendeu as negociações de paz com a guerrilha. Durante uma viagem de carro ao interior do país, elas foram seqüestradas, juntamente com alguns jornalistas. Estes foram libertados em seguida. Clara achou que teria a mesma sorte, por não ter o peso político de Ingrid. Depois, passou a acreditar que ficaria só um mês em poder da guerrilha. Aos poucos, foi percebendo que aquilo era sua nova vida e era melhor se adaptar do que espernear.

Foi assim, evitando arrumar briga, que Clara conseguiu um mínimo de privacidade, como escapar dos olhares atentos dos guardas quando precisava fazer suas necessidades fisiológicas. Embora tenha contado que nunca sofreu maus-tatos, ela lembrou que viveu sob risco de vida constante, em razão dos combates na selva, com explosões de bombas.

Graças ao relacionamento que conseguiu estabelecer com os guardas, ela obteve ajuda para fazer um parto que tinha tudo para dar errado. E amoleceu o coração de guerrilheiras que não costumam ser nada gentis.

Clara arriscou a vida para dar à luz Emmanuel, numa cesariana longa, feita por pessoas inexperientes e com instrumentos rudimentares. Foi preciso fraturar o braço do bebê para tirá-lo da barriga dela. Emmanuel ficou com Clara até os oito meses, quando adoeceu e foi levado para um local desconhecido. Passou por várias mãos até chegar ao Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar, mas seu paradeiro era desconhecido. Tanto que quando o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, negociou a libertação unilateral de Clara e da também parlamentar Consuelo González, pensava-se que Emmanuel também seria libertado, quando na verdade ele já estava no orfanato.

No último dia de 2007, o governo venezuelano anunciou a suspensão da liberação do grupo por falta de garantias. No mesmo dia, o governo colombiano divulgou a suspeita de que um menino conhecido como Juan David Gómez poderia ser Emmanuel. Exames de DNA feitos a partir de material genético da mãe e do irmão da refém comprovam a suspeita. Chávez não poderia liberar o garoto, conforme prometido, pois ele já estava fora do cativeiro. Em janeiro, Clara foi libertada e correu ao encontro do filho.

De lá para cá, Clara tem procurado, acima de tudo, recuperar o tempo em que ficou longe de Emmanuel, como contou em entrevista exclusiva à Agência Brasil e à TV Brasil. Porém, em seu coração de mãe, também cabem os cerca de 700 reféns que ainda estão presos na selva. Ela se comunica eventualmente com eles, por intermédio de um programa de rádio, para dar-lhes esperança, e tem uma idéia bem formada sobre como o presidente Álvaro Uribe deve proceder para salvá-los.Ela acha que Hugo Chávez e o presidente do Equador, Rafael Correa, estão desgastados. Na sua avaliação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o nome ideal para o papel de mediador de um acordo com as Farc.

A ex-refém acredita que outra ação militar, semelhante a que resultrou na libertação de Ingrid Betancourt, seria um risco muito grande e que é preciso encontrar uma solução alternativa, dando um pouco de ar para que a guerrilha respire e não provoque uma tragédia. Guerrilha que, segundo ela, teve um papel histórico importante e poderia ter alcançado a paz, mas perdeu o rumo quando cruzou o caminho dos narcotraficantes e não desviou.Leia na íntegra, dividida em três partes, a entrevista de Clara Rojas, o "talismã" que as Farc perderam e Emmanuel ganhou de volta.
Agência Brasil - Como você avalia o cenário atual. A popularidade do presidente Uribe e o fato de que ele não quer mais ajuda de nenhum país ou organização estrangeira, só da Igreja Católica, para negociar com as Farc?
Clara Rojas - Respeito muito, porque é o êxito de uma política seguida há muito tempo. Mas não podemos exagerar. É importante manter as relações com os países vizinhos, com o presidente [equatoriano Rafael] Correa, o presidente [venezuelano Hugo Chávez]. Parece-me respeitável que ele [Uribe] queira tomar as decisões, mas é preciso pensar em alguma medida alternativa para salvar toda essa gente [cerca de 700 pessoas ainda estão em poder das Farc]. Não creio que possa ser no campo militar, porque as Farc vão tomar todas as medidas para evitar que isso aconteça. Seria absurdo. Se o governo não tem um contato direto com as Farc e tiver que fazê-lo por meio da Igreja Católica, que o faça.

ABr - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem dito que não pretende envolver o Brasil diretamente na negociação com as Farc, mas Ingrid Betancourt afirmou que espera a ajuda dele. Você acha que Brasil e Colômbia poderiam ser mais próximos?
Clara - Lógico. Aqui há muito carinho pelo presidente Lula. O Brasil é um país espetacular, não só pelo futebol. Há obstáculos, mas o presidente Lula, pela informação que tenho, foi receptivo e apresentou propostas que não se concretizaram. Penso que a posição dele poderia até ser de não se envolver diretamente, mas ao menos dizer: “Se for necessário, estou pronto para ajudar”. O que, no fundo do coração, acho que ele faria. Assim como a presidente da Argentina [Cristina Kirschner]

ABr - Você acha que o Brasil poderia tomar alguma medida mais efetiva para combater as Farc?
Clara - Sim, desde que houvesse uma maior aproximação militar e política. Militar por causa das fronteiras, e política para ser um facilitador. As Farc estão debilitadas e precisam de um pouquinho de ar. Só o suficiente para não tomar decisões absurdas, que façam com que isso termine mal. É preciso buscar meios de comunicação alternativos. Chávez está desgastado, Correa também. Sobra o Lula.

ABr - Há uma confiança das Farc nos governos desses países vizinhos?
Clara - Aparentemente sim, mas é preciso distinguir a aparência da realidade. Tirar fotos com os guerrilheiros não quer dizer que eles estejam de acordo com tudo que Chávez e Correa dizem. É uma questão de conveniência. Acho que foi positivo, por exemplo, para a minha liberação. Sou muito grata ao presidente Chávez.

ABr - Quando estava na selva, você temia que um ataque das Forças Armadas pudesse lhe atingir?
Clara - O tempo todo. Porque eles [militares] chegavam a um acampamento, mas não sabiam se havia seqüestrados ou não. Ouvíamos helicópteros passando, aviões... Não víamos os militares, mas sabíamos que estavam por perto. Isso causava muita inquietação e muita tensão entre nós e eles. Os guerrilheiros não sabiam se iam morrer, o que aconteceria com eles. Antes se pensava que eles eram intocáveis, mas depois de tudo o que aconteceu, ficou claro que não são.

ABr - As Farc usam reféns como escudos humanos?
Clara - O tempo todo (suspira). Eles sabiam que o fato de nos ter com eles afastava um pouco os militares. Por isso, apegaram-se tanto a nós e não queriam nos soltar. E eu dizia: “Não somos talismãs. Quando nos matarem, matam vocês na hora (risos). Não se aferrem a nós porque não faz sentido. (...) Era o momento de tomar uma decisão e não foram capazes. Claro, morreram [os líderes Raul] Reyes e [Manuel] Marulanda.

ABr - Você conheceu algum dos dois (ambos morreram quando ela já havia sido libertada)?
Clara - Não tive esse azar (risos).

ABr - O que lhe passou pela cabeça quando eles morreram (Reyes foi morte num bombardeio das Forças Armadas da Colômbia; quanto à morte de Marulanda, há controvérsias: o governo diz que o matou e as Farc afirmam que ele foi vítima de doença)?
Clara - No caso de Reyes, eu estava nos Estados Unidos e perguntaram minha opinião. Eu disse, numa linguagem muito coloquial: “Levaram uma surra” (gargalhada). Porque, como eu disse antes, caiu o mito de que os integrantes do secretariado das Farc eram intocáveis. Que todos morriam de morte natural. Não tenho nada pessoal contra ninguém, mas isso fez a balança pender, e as Forças Armadas ganharam confiança. No caso de Marulanda, senti pesar, porque foi um homem que teve a oportunidade de levar o país à paz, há oito anos. Mas não o fez. São personagens históricos que tiveram seu papel, mas não aproveitaram o match point, não fizeram o gol.

ABr - Por que Marulanda poderia ter obtido a paz?
Clara - Porque ele começou todo esse movimento, liderando um grupo campesino. Teve a coragem de se levantar contra um grupo armado (que reprimia os camponeses) e se manter durante quase 50 anos na selva, o que também é um mérito. Organizou um exército, mas não soube aonde levá-lo. Quiseram tomar o poder e não puderam. (O nome completo do grupo é Farc-EP, o que significa Exército do Povo).

ABr - As Farc então tinham uma razão de existir e a perderam?
Clara - Perderam há muito tempo, desde que se meteram com o narcotráfico. Não acharam seu norte. Não estavam preparados ideologicamente, ou politicamente, digamos assim. Se queriam que os processos levassem a algo, não o fizeram. E tem mais: 90% da população colombiana rechaça as Farc.

ABr: As Farc facilitam o trânsito de narcotraficantes e de coca por seu território?
Clara - Sem dúvida. Eles têm seus acordos, mas eu desconheço quais sejam. O fato é que em nossas caminhadas, passamos por campos de cultivo de coca. Ou eles cultivam, ou o dono permite que passem por ali.

ABr - E a coca propriamente dita, refinada, é consumida nos acampamentos?
Clara - Eu não vi, mas não quer dizer que não haja. Eu não consumo, então isso também cria uma barreira (risos). Se a pessoa fuma maconha ou consome coca, tem mais olfato para perceber. Na verdade, surpreendeu-me que era um ambiente relativamente saudável. Raramente, eu via os guerrilheiros fumarem. Repartiam um maço de cigarro entre todos, eram uns quinze, vinte.

ABr - Você escutava explosões?
Clara - Sim, muitas vezes. Era uma angústia tenaz (suspira). No início, tiros e bombas. E no final, quando iam me liberar, comecei a ouvir fogo cruzado. Na selva, ouve-se tudo mais fácil.

ABr - Como está a saúde?
Clara - Estou quase bem, recuperando-me de uma operação. Não posso fazer exercício e nem esforço, mas em dois meses estarei bem.

ABr - É algo referente à gravidez?
Clara - É que quando iniciaram a cesariana na selva, algo deu errado e tive que reconstruir [o local da operação]. Foi feita com instrumentos muito rudimentares. Além de uns problemas estomacais. Tive que tirar a vesícula. Mas já me recuperei bem. Duas semanas atrás, eu estava na cama e não podia me mexer.

ABr: E psicologicamente?
Clara - O que você acha, como me vê?

ABr - Muito bem. Mas só te conheço há uma hora...
Clara - Em geral, estou bem. Às vezes, sinto-me agoniada, porque há muitas coisas para resolver, coisas da família... Mas tento ir com calma. Fiz uma listinha e vou resolvendo uma a uma



Julio Cruz Neto e Leandro de Souza
Enviados especiais
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